A MONTANHA DE LEIS EM SANTARÉM: O CUSTO DA LEGISLAÇÃO DESNECESSÁRIA

Na Câmara Municipal de Santarém, o ano de 2025 tem se mostrado um período de intensa produção legislativa. Contudo, ao analisar a pauta de votações e a lista de Projetos de Lei Ordinária (PLO) apresentados, uma questão crucial se impõe: a qualidade e a relevância social dessas propostas em face dos grandes desafios que a população santarena enfrenta.

Muitos projetos, embora de natureza bem-intencionada ou simbólica, acabam desviando a atenção e o tempo do plenário e das comissões, gerando o que a crítica política chama de "legislação de baixo impacto" ou, em casos mais flagrantes, "leis desnecessárias".

Uma análise dos projetos protocolados por alguns vereadores revela uma tendência preocupante de focar em questões triviais ou de competência do Executivo, em vez de concentrarem esforços em melhorias estruturais, como saúde, educação e infraestrutura.

As Categorias da Legislação Questionável

Os PLOs identificados nos registros de 2025 demonstram como o trabalho legislativo pode se afastar das prioridades essenciais.

1. A Lei Autopromocional: A placa fala mais alto

Um exemplo que beira o conflito de interesses é o PLO 71/2025, que dispõe sobre a "INCLUSÃO DE NOMES DE VEREADORES DA CÂMARA MUNICIPAL DE SANTARÉM, NAS PLACAS DE INAUGURAÇÕES DE OBRAS PÚBLICAS".

Embora o projeto tenha sido aprovado pela Câmara, acabou sendo vetado. A simples apresentação e aprovação de tal proposta gerou críticas, pois o ato de incluir o nome de um parlamentar em uma placa de obra financiada pelo dinheiro público é visto como autopromoção e não como uma função legislativa.

2. O Festival das Datas Comemorativas (Leis Calendário)

A proliferação de datas comemorativas municipais consome tempo de tramitação e engorda o rol de leis sem impacto prático na vida do cidadão. O PLO 1444/2025, que "INSTITUI O DIA MUNICIPAL DO CORREDOR DE RUA", é um exemplo clássico de "Lei Calendário".

PLO 2405/2025 e PLO 2406/2025: Dispõem sobre a obrigatoriedade de triagem para Transtorno do Espectro Autista (TEA) com o uso do instrumento M-CHAT-R no ato da matrícula e nas UBSs. Embora o tema seja relevante, a legislação que fixa um instrumento técnico específico (M-CHAT-R) pode configurar microgestão, engessando a Secretaria de Saúde ou Educação e impedindo a atualização ou substituição do protocolo por um instrumento mais moderno ou adequado, sem a necessidade de outra lei.

Enquanto a instituição de um dia pode ser um gesto de reconhecimento, a criação incessante dessas datas obscurece a necessidade de legislar sobre temas cruciais como segurança pública e saneamento básico.

3. Microgerenciamento do Executivo e do Trivial

Outra área de excesso é a tentativa de microgerenciar detalhes operacionais ou criar programas que poderiam ser implementados por decreto do Executivo Municipal.

  • O PLO 4107/2025, que institui o “PROGRAMA DOMINGO DE LAZER” (com feira de artesanato e gastronomia), é um exemplo de projeto que poderia ser melhor gerido pela Secretaria de Cultura ou Turismo, através de ações administrativas ou normativas próprias do Executivo, sem a rigidez de uma lei municipal.

4. O Excesso de Simbolismo e Redundância

Projetos que buscam legislar sobre o simbolismo cívico ou cultural também se destacam, levantando a questão da sua real necessidade.

  • O PLO 3217/2025 propõe a "OBRIGATORIEDADE DA EXECUÇÃO DO HINO OFICIAL DO MUNICÍPIO DE SANTARÉM EM EVENTOS OFICIAIS". Embora a execução do hino seja um ato cívico relevante, a sua obrigatoriedade é, na maioria das vezes, já estabelecida por normas de cerimonial, tornando a lei redundante.

  • Similarmente, o PLO 4089/2025 busca "DECLARAR O HINO DE SANTARÉM COMO PATRIMÔNIO HISTÓRICO E CULTURAL". O hino já possui valor cultural intrínseco, e a declaração via lei pode ser vista como um gasto de energia legislativa para formalizar algo já amplamente reconhecido.

  • PLO 2516/2025: Dispõe sobre a obrigatoriedade de cumprimento de prazos para atendimento de Requerimentos aprovados pela Câmara. Tentar obrigar o Poder Executivo a cumprir prazos através de Lei Ordinária pode gerar um conflito de poderes, uma vez que a relação entre a Câmara e o Executivo quanto aos requerimentos é de fiscalização e cooperação, e o não atendimento pode ser motivo de cobrança política, mas dificilmente de uma lei que obrigue o Executivo em sua própria administração interna.

5. Projetos de Lei de Temas Polêmicos sem Abrangência Municipal

PLO 4110/2025: Dispõe sobre a divulgação da demanda e lista de espera por vagas em creches públicas, em consonância com a Lei Federal nº 14.685/2023. Se a lei municipal é "em consonância" (ou seja, repete o teor) de uma Lei Federal que já está em vigor, ela é desnecessária e apenas duplica uma obrigação já existente na esfera municipal.

Propostas que tocam em temas de competência federal ou estadual, ou que ferem o princípio do Estado laico, frequentemente geram controvérsia e pouca eficácia legal. O PLO 4408/2025, que "AUTORIZA A UTILIZAÇÃO DA BÍBLIA COMO RECURSO PARADIDÁTICO NAS ESCOLAS DA REDE PÚBLICA E PRIVADA", é um exemplo.

A inclusão de material didático cabe primariamente à Secretaria Municipal de Educação, baseada em diretrizes pedagógicas, e não ao Legislativo, sob risco de invadir a esfera de competência do Executivo e da própria União, que estabelece as bases da educação nacional.

Conclusão: O Apelo à Produtividade

A Câmara Municipal de Santarém tem o dever de ser o epicentro do debate e da criação de soluções para os problemas concretos da cidade. O foco em PLOs sobre placas, datas comemorativas ou o volume de sirenes nas escolas, enquanto questões de saúde, saneamento básico e emprego aguardam respostas, sinaliza uma inversão de prioridades.

É fundamental que os vereadores direcionem sua capacidade de trabalho para matérias que exigem a intervenção legislativa, como a fiscalização rigorosa do Executivo e a criação de marcos legais que promovam o desenvolvimento econômico e social, em vez de aumentar a burocracia com um festival de leis desnecessárias. O eleitor espera representatividade focada na produtividade e na solução dos problemas reais.